quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

BOLETIM 12 ANO XV

 A LIBERDADE DE IMPRENSA NO BRASIL E NO MUNDO

Destaques: Equipe da TV Record sofre agressões no interior de SP. Abraji denuncia censura judicial à imprensa independente. Irã executa jornalista por incentivar protestos contra o governo. FIJ lança Livro Branco sobre Jornalismo.

Notas do Brasil

Hortolândia (SP) – O cinegrafista Anderson Santos da Rocha e o motorista de uma equipe do programa Cidade Alerta, da TV Record, foram agredidos em 18 de dezembro, em localidade próxima a Campinas, ao fazerem a cobertura do desaparecimento de uma criança, juntamente com a repórter Luiza Zanchetta que não foi atingida. Eles foram atacados assim que chegaram ao local por populares que queriam impedir a gravação, apesar dos avisos da equipe de que não seriam divulgadas imagens da criança. Segundo a Record, até o carro da reportagem sofreu vandalismo. Outras duas equipes de TV que estavam no local tentaram conter os agressores, mas Rocha levou socos e golpes na cabeça, sofrendo cortes profundos. Após medicado em um hospital local, registrou Boletim de Ocorrência na delegacia de Indaiatuba. O Sindicato dos Jornalistas de SP e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) divulgaram nota repudiando o ataque. 

São Paulo (SP) I - A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) denuncia casos de censura judicial contra os sites Ponte, Alma Preta, Atilados e The Intercept Brasil. A Justiça de SP determinou que os sites Ponte Jornalismo e Alma Preta removessem reportagem sobre uma mulher negra condenada a pagar indenização à empresa onde trabalhava devido à injúria racial. Em GO, o juiz William Costa Mello, da 30ª Vara Cível de Goiânia, acatou o pedido de Maria Luiza Cruz para retirar a reportagem “As ligações da ex-juíza e advogada de famosos Maria Luiza Póvoa Cruz” do site e do Instagram do Atilados (@atiladosbr), e as gravações do Jornal da Sucesso, divulgados no YouTube. Já Cleni Serly Rauen Vieira, juíza substituta da 3ª Vara Cível da Comarca de Florianópolis (SC), ordenou que o The Intercept Brasil retifique a reportagem sobre o caso da influenciadora Mariana Ferrer, humilhada durante o julgamento no qual acusava um empresário de estupro. 

São Paulo (SP) II - O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de SP e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) divulgaram nota pública condenando a escalada de ataques judiciais contra jornalistas, fato que atenta contra a liberdade de imprensa. Afirmam na nota que “decisões juridicamente contestáveis que impõem desproporcionais multas financeiras, ordem de prisão, censura a matérias e órgãos de imprensa merecem nosso total repúdio, atentam contra a liberdade de expressão e transformam parte do Judiciário em agente político a serviço da escalada do autoritarismo antidemocrático”. 

São Paulo (SP) III - A Editora Abril deve pagar R$ 15 mil de indenização por danos morais para a empresária e ex-diretora da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), Letícia Catelani. A 3ª Turma Recursal Cível do Tribunal de Justiça de SP manteve sentença de primeira instância por entender que uma reportagem de março de 2019 na edição on-line da revista Veja, sobre a saída da empresária da diretoria da Apex, extrapolou o direito de informar ao citar que ela seria conhecida como “pistoleira”. Para o relator, juiz Rodrigo de Castro Carvalho, o fato de a empresária gostar de armas de fogo tem “total irrelevância para fins de centrada reportagem e informação”. 

Cotia (SP) - A jornalista Madeleine Lacsko, do jornal Gazeta do Povo, ganhou seu quarto processo por sofrer ataques e ofensas nas redes sociais. O juiz Eduardo Galduróz, da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal, condenou Alexandre Gonçalves, comunicador de blogs bolsonaristas e ex-assessor do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), entendendo que “se o direito à livre expressão contrapõe-se ao direito à inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem, conclui-se que este último condiciona o exercício do primeiro, de modo que o direito de informar ou manifestar uma opinião não pode importar abalo e ofensa à dignidade e imagem das pessoas, conforme pondera o artigo 220 da Constituição Federal, em sua parte final”. Segundo a jornalista, o réu a envolveu em uma postagem difamatória no Twitter sobre uma tentativa de demissão de funcionários do Hospital Albert Einstein que fossem contrários a opiniões dela. Ele também proferiu inúmeros xingamentos a Madeleine. Devidamente citado, o réu não apresentou contestação, sendo decretada a revelia. 

São Paulo (SP) IV – A revista Piauí se livrou de indenizar o “filósofo” e “astrólogo” Olavo de Carvalho por sentença da 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de SP que negou provimento a um recurso. Na petição inicial, Carvalho questiona uma charge em que foi retratado dando um beijo na boca do presidente Jair Bolsonaro. O relator entendeu que “charges e modo caricatural de pôr em circulação ideias, opiniões, frases e quadros espirituosos compõem as atividades de imprensa, sinônimo perfeito de ‘informação jornalística’, segundo o parágrafo 1º do artigo 220 da Constituição Federal”. 

São Paulo (SP) V - A jornalista Bianca Santana, colunista do portal Uol, deve receber R$ 10 mil do presidente da República por este tê-la acusado indevidamente de propagar notícias falsas. O juiz César Augusto Macedo, da 31ª Vara Cível Central de SP, também determinou que Bolsonaro se abstenha de imputar à autora textos que ela não tenha escrito. Consta nos autos que, em seu canal do YouTube, durante uma “live”, o presidente fez referência a reportagens que afirmou serem “fake news” e apontou a autora da ação como a responsável por uma delas. Depois, em outra transmissão, o presidente se retratou e retirou o vídeo anterior do ar. Mesmo assim, a jornalista ajuizou a ação. Bolsonaro foi regularmente citado e não contestou o feito, tendo sido condenado à revelia. 

Vitória (ES) – O jornalista Diogo Mainardi e a Editora Abril terão que pagar R$ 60 mil a Victor de Souza Martins, à sua mulher e à consultoria que os dois possuem em razão de publicação feita em 2009. O Tribunal de Justiça do ES entendeu que Mainardi mentiu na sua coluna da revista Veja ao acusar Martins, então diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP), de envolvimento em esquemas de corrupção. Na realidade, Mainardi desejava atacar o governo Lula e acusou Victor para atingir seu irmão, Franklin Martins, então ministro da Comunicação Social. 

São Paulo (SP) VI – O Canal Papo de Mãe no Youtube, das jornalistas Mariana Kotscho e Roberta Manreza, que havia sido removido sem maiores explicações na madrugada de 25 de dezembro, foi reativado na noite do dia seguinte. Em comunicado, o Youtube diz que aconteceu um erro de avaliação e que não houve censura. Houve intensa mobilização de diversos setores, inclusive da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), por entender que tinha havido censura em razão de, nos últimos dias, o Papo de Mãe estar divulgando manifestações de juízes em julgamentos on-line onde contestam a Lei Maria da Penha e medidas protetivas  contra ataques e feminicídio. 

Rio de Janeiro (RJ) - O jornalista Rafael Soares, dos jornais O Globo e Extra, foi acusado em vídeo divulgado pela tenente-coronel Gabryela Dantas, então porta-voz da Polícia Militar do RJ, de agir de “forma maldosa” ao se aproveitar “da comoção nacional – uma referência à morte de duas meninas em Caxias, por bala perdida – para colocar a população contra a PM”. O repórter foi autor de reportagem sobre o aumento do número de descarte de munição usada por policiais do 15º BPM, em Caxias. Depois do ocorrido, a tenente-coronel foi exonerada do cargo. 

Brasília (DF) I - O Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 765, ajuizada pelo Partido Verde (PV), contra a produção de monitoramento e relatórios pelo governo federal sobre parlamentares e jornalistas, de acordo com suas ações nas redes sociais. A medida, de acordo com o partido, fere, entre outros, o princípio do livre exercício profissional. O relatório produzido pela agência BR+ Comunicação classificou os profissionais como “detratores”, “neutros informativos” ou “favoráveis”, de acordo com suas postagens sobre o ministério da Economia e o ministro Paulo Guedes. O ministério informou ter pago R$ 36.343,00 pelo “Mapa de influenciadores”, que orienta o governo a lidar com os influenciadores, com medidas que vão de esclarecimentos ao “monitoramento preventivo”. A ação do PV foi distribuída à ministra Cármen Lúcia. O partido foca na exposição dos parlamentares, divulgada pela Revista Época, mas houve também a classificação de profissionais de imprensa, e anteriormente, a de policiais e acadêmicos antifascismo. 

Brasília (DF) II – A atriz Camila Pitanga ganhou ação contra a Editora Abril pelo uso indevido de imagens de cenas do filme “Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios” e publicadas na revista Playboy, em dezembro de 2012. Com atualização monetária e juros de 1% ao mês, chega a R$ 702 mil a condenação transitada em julgado no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Playboy deixou de ser vendida nas bancas em abril de 2018, quando já era comandada pela PBB Editora que assumiu a publicação em 2015, após a Abril desistir de mantê-la em seu catálogo. A matéria publicada pela Playboy - ao lado das fotos da atriz em cenas de alcova - textualmente provocou: “O título desse filme é tão grande quanto nosso desejo de ver Camila Pitanga nua. E, felizmente, a obra revela quase tudo o que a gente cobiça”. 

Brusque (SC) - O jornal Folha de S.Paulo e a repórter Patrícia Campos Mello foram condenados em 1ª instância a pagar uma indenização de R$ 100 mil para Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, por reportagem que liga o empresário a disparos em massa de mensagens contrárias ao PT nas eleições de 2018. A sentença foi do juiz Gilberto Gomes de Oliveira Júnior, da Vara Cível da Comarca de Brusque, que determinou ainda que a Folha de S.Paulo pague as despesas e honorários que Hang teve com seus advogados durante o processo. Cabe recurso. 

São Paulo (SP) VII - O jornalista Amaury Ribeiro Junior, autor do livro Privataria Tucana, foi condenado com outras quatro pessoas pela juíza Barbara de Lima Iseppi, da 4ª Vara Federal de SP, pela quebra dos sigilos fiscais de pessoas ligadas ao ex-senador José Serra e ao ex-vice-presidente executivo do PSDB, Eduardo Jorge. O jornalista foi condenado a pena de sete anos e dez meses de reclusão por oferecer vantagem indevida a funcionário público. Ele teria aliciado um despachante para obter cópias das declarações do Imposto de Renda da filha e do genro de Serra, mediante uso de documento falso. A sentença informa que Amaury Ribeiro tinha a consciência sobre o emprego de meios ilícitos em sua solicitação. Consequentemente, teria havido dolo direto para a prática de corrupção. Na época, em 2010, José Serra concorria à presidência da República contra Dilma Rousseff e relacionou o ocorrido à campanha da petista. Também foram sentenciados a ex-servidora do Fisco Adeildda Ferreira Santos, os contadores Ademir Cabral e Antonio Carlos Ferreira e o office-boy Fernando Lopes. Ainda cabe recurso. 

Pelo mundo

França I – A ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) denuncia que, pelo menos, 42 mulheres jornalistas se encontram presas em todo mundo. Na Bielorrússia, quatro jornalistas permanecem detidas desde a reeleição de Alexander Lukashenko, em agosto passado. Outras quatro foram presas no Irã e duas na China, onde a repressão se intensificou com a pandemia da Covid-19. Entre essas jornalistas detidas está a vencedora do Prêmio RSF de Liberdade de Imprensa de 2019, a jornalista vietnamita Pham Doan Trang. E a jornalista cidadã chinesa Zhang Zhan, condenada em 28 de dezembro, por uma corte de Shangai, a quatro anos de prisão, por ter publicado textos e vídeos sobre os casos de covid-19 na cidade de Wuhan. No geral, a RSF registrou 387 jornalistas presos no mundo em 2020, número quase idêntico ao de 2019, quando foram 389 detidos. Mais da metade (61%) estão presos em apenas cinco países. A China continua no primeiro lugar da lista, com 117 jornalistas (profissionais ou não) detidos, à frente de Egito (30), Arábia Saudita (34), Vietnã (28) e Síria (27). 

EUA I – Pesquisa com 1.210 profissionais da mídia internacional, realizada pelo Centro Internacional de Jornalistas (ICFJ) e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), revela que 73% das mulheres entrevistadas teriam sofrido abuso, assédio, ameaças e ataques online. E 20% relataram ter sido alvo de abusos e ataques offline que acreditam estar relacionados à violência digital que sofreram. Segundo a investigação, houve aumento exponencial de ataques a jornalistas mulheres no decorrer de seu trabalho no ambiente digital, utilizando discurso de ódio e desinformação - onde assédio, agressão e abuso são usados para tentar calá-las. 

França II - Os 14 envolvidos nos atentados de janeiro de 2015 contra o semanário satírico Charlie Hebdo e um supermercado de produtos kosher, em Paris, foram condenados e receberam sentenças entre 4 anos e prisão perpétua. Após três meses e meio de julgamento, a maior pena foi para Mohamed Belhoucine, considerado mentor religioso do autor do ataque ao supermercado Hyper Cacher, Amédy Coulibaly, e condenado à prisão perpétua. Julgado à revelia, ele provavelmente foi morto na Síria após os ataques. Hayat Boumeddiene, namorada de Coulibaly, e também julgada à revelia, foi condenada a 30 anos de prisão. Boumeddiene fugiu para a Síria pouco depois dos atentados. 

Irã - O jornalista e ativista Ruhollah Zam foi executado em 12 de dezembro por liderar protestos contra o governo em 2017. A Suprema Corte manteve a pena de morte contra Zam, capturado em 2019 após anos de exílio na França. Ele se notabilizou por criar, em 2015, a plataforma Amadnews, com mais de 1 milhão de seguidores, acusada de ser utilizada para fomentar os protestos antigovernamentais. Filho de um clérigo xiita pró-reforma, Zam havia fugido do país. Em outubro de 2019, a Guarda Revolucionária informou sua prisão em uma "complexa operação de inteligência", sem revelar maiores detalhes da ação. 

México – A Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) lançou o Livro Branco sobre Jornalismo, em 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, onde relata o assassinato de 2.658 profissionais de imprensa desde 1990, sendo 42 deles em 2020. O documento alerta governos e autoridades sobre a violência contra jornalistas no mundo, onde o México vem despontando como o segundo país mais mortífero para profissionais da imprensa e o primeiro na América, sendo 12 só neste ano, seis deles com possível relação com o exercício da profissão. A vítima mais recente foi o fotógrafo Jaime Zacarías, assassinado em 10 de dezembro, na localidade de Jerez, no estado de Zacatecas, após cobrir o aparecimento de dois corpos em via pública. 

EUA II - O Comitê para a Proteção aos Jornalistas (CPJ) identificou pelo menos 274 jornalistas presos até 1º de dezembro de 2020, ultrapassando o número de 272 em 2016. A China, que prendeu vários jornalistas por sua cobertura da pandemia, foi o pior carcereiro do mundo pelo segundo ano consecutivo. O país foi seguido pela Turquia, que continua a processar jornalistas em liberdade condicional e a prender outros; pelo Egito, que não mediu esforços para manter aprisionados jornalistas que não foram condenados por nenhum crime, e pela Arábia Saudita. Os países onde o número de jornalistas presos aumentou expressivamente são a Bielorrússia, onde ocorreram protestos em massa contra a reeleição do presidente, e a Etiópia, onde a agitação política se transformou em conflito armado.

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A Associação Riograndense de Imprensa (www.ari.org.br) disponibiliza o correio eletrônico imprensalivre@ari.org.br aos profissionais e estudantes da comunicação social para as denúncias envolvendo atentados ao livre exercício da profissão de jornalista.

O programa Conversa de Jornalista, transmitido aos sábados pela Rádio da Universidade AM 1080 Mhz, de Porto Alegre (RS), apresenta a resenha das ocorrências nacionais e internacionais sobre liberdade de imprensa e expressão.

Fontes: ARI (www.ari.org.br), ABI (www.abi.org.br), Fenaj (www.fenaj.org.br), ANJ (www.anj.org.br), Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br), Abert (www.abert.org.br), Abraji (www.abraji.org.br), Portal Imprensa (www.portalimprensa.com.br), Rede em Defesa da Liberdade de Imprensa (www.liberdadedeimprensa.org.br), Portal Coletiva (www.coletiva.net), Consultor Jurídico (www.conjur.com.br), Sociedade Interamericana de Imprensa (Miami), Federação Internacional deJornalistas (www.ifj.org) (Bruxelas), Sindicato dos Jornalistas de Portugal (www.jornalistas.eu)(Lisboa), ONG Repórteres Sem Fronteiras (www.rsf.org) (Paris), Portal Comunique-se (portal.comunique-se.com.br), Comitê de Proteção aos Jornalistas (Nova Iorque), Centro Knight para o Jornalismo nas Américas (knightcenter.utexas.edu), ONG Campanha Emblema de Imprensa (PEC), Freedom House (www.freedomhouse.org), Associação Mundial de Jornais (www.wan-ifra.org), Fórum Mundial dos Editores e outras instituições e entidades de defesa do livre exercício da profissão de jornalista.

Pesquisa e edição: Vilson Antonio Romero (RS)


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