sábado, 31 de maio de 2025

BOLETIM 05 - ANO XX - MAIO DE 2025

 A LIBERDADE DE IMPRENSA NO BRASIL E NO MUNDO

Destaques: Relatório anual da Fenaj registra que violência contra a imprensa ainda preocupa. Justiça condena colunista e jornal do grupo RBS a indenizar desembargadora. Repórteres sofrem agressões físicas e verbais em SC, GO e SE. Dois jornalistas mexicanos são assassinados a tiros. Bombardeios israelenses vitimam mais um profissional na Faixa de Gaza. 

NOTAS DO BRASIL

Florianópolis (SC) – O jornalista Thaigor Janke, dos canais A Dupla e Debate Raiz, no YouTube, foi agredido enquanto fazia uma entrada ao vivo para o canal Vozes do Gigante, no início da noite de 22 de maio, durante o pré-jogo entre Maracanã e Internacional, partida válida pela Copa do Brasil. O comunicador estava conversando com os torcedores nos arredores do estádio Orlando Scarpelli, quando foi agredido, em primeiro momento verbalmente e depois fisicamente, por um torcedor do Inter que estava embriagado. Além disso, Thaigor teve parte de seus equipamentos danificados e ficou com uma lesão na cabeça. Durante a agressão, o link da transmissão foi cortado. Retornando, Thaigor voltou ao vivo no canal e disse não saber o motivo das agressões, mas negou ter se tratado de um assalto. O comunicador ainda relatou que quando apanhou o celular para gravar o ocorrido, um amigo do agressor lhe tirou o aparelho das mãos, devolvendo mais tarde. Em nota, a Associação dos Cronistas Esportivos Gaúchos (Aceg) repudiou e condenou as agressões sofridas por Thaigor.

Aracaju (SE) - O jornalista Cícero Mendes, que atua na administração pública municipal, e sua esposa Débora Leite, que é secretária de saúde da capital, foram vítimas de agressões verbais proferidas pelo major da reserva, Alexsandro Lino da Conceição Silva, conhecido como Major Lino, na noite de 25 de maio, em grupo de WhatsApp. Ele foi candidato ao cargo de vereador pelo PSDB, partido que integra a base de apoio da atual prefeita Emília Correia, e obteve apenas 220 votos. As ofensas, com palavras de baixo calão, também incluíram ameaças de agressão e foram dirigidas a outros jornalistas que trabalham na prefeitura. As entidades de classe locais e nacionais se solidarizaram com o profissional.

Porto Alegre (RS) - A jornalista Rosane de Oliveira e o jornal Zero Hora, do Grupo RBS, foram condenados pela juíza Karen Bertoncello, da 13ª Vara Cível do Foro Central, ao pagamento de R$ 600 mil por danos morais à desembargadora Iris Nogueira, ex-presidente do Tribunal de Justiça do RS (TJRS). A ação foi movida pela magistrada, que alegou ter sido alvo de reportagens de julho de 2023 que apresentaram de forma equivocada valores recebidos por ela a título de indenização. Segundo Nogueira, o modo como as informações foram veiculadas levou a interpretações públicas que colocaram em dúvida sua integridade. O Grupo RBS e a jornalista informaram que irão recorrer da decisão. Entidades de classe condenaram a sentença.

Florianópolis (SC) – O apresentador Helder Maldonado, do canal Galãs Feios, se livrou de indenizar o empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas de departamento Havan, por decisão da 2ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de SC. Hang processava o profissional por ter reproduzido em seu canal no YouTube uma reportagem do portal Uol sobre um suposto relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que apontava inconsistências e irregularidades na fortuna do empresário, bem como seu envolvimento em ilícitos como lavagem de dinheiro e agiotagem. Hang alegou que o relatório nunca existiu e que Maldonado extrapolou os limites da liberdade de expressão ao reproduzir informações falsas e ofensivas, sem cumprir seu dever de verificar a veracidade antes de divulgá-las. Por isso, pediu a retirada do vídeo do ar e a indenização por danos morais. A justiça entendeu que, embora não haja uma hierarquia formal entre os direitos fundamentais, em caso de conflito, a liberdade de expressão deve ser protegida de forma mais robusta, devido à sua relevância para a democracia e o pluralismo político. Na decisão de primeira instância, de 2024, a única menção a conteúdo jornalístico dizia respeito à notícia do Uol, e não ao réu. Para o relator, retirar o vídeo do ar seria uma “medida extremamente gravosa”, pois se trata da opção que mais restringe o direito à liberdade de expressão. Segundo ele, poderia ser garantido o direito de resposta ao empresário. Em outro processo, Hang conseguiu direito de resposta no Uol. Na visão do juiz relator, se essa foi a solução adotada para o portal, pois a retirada do vídeo é uma punição desproporcional para Maldonado, cujo canal “possui alcance limitado”. O magistrado apontou que, nas diferentes redes sociais, o jornalista tem entre 76 mil e 500 mil seguidores. Já Hang tem seis milhões de seguidores somente no Instagram, enquanto a Havan tem nove milhões.

Brasília (DF) I – O Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa de 2024, da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), apresentado em 20 de maio, durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, da Câmara dos Deputados, revela que, embora o número total de ataques tenha diminuído em relação aos anos anteriores, o cenário permanece grave e preocupante. Foram 144 casos de violência registrados ao longo do ano — uma média de uma agressão a cada dois dias e meio. Em relação a 2023, quando foram registrados 181 episódios, houve uma queda de 20,44% nos casos. Embora nenhum jornalista tenha sido morto no exercício da profissão no Brasil em 2024, a Fenaj alerta para a persistência de práticas violentas — físicas, simbólicas e digitais — especialmente contra mulheres jornalistas. A entidade também denuncia a continuidade de ataques promovidos por políticos, assessores e apoiadores da direita e extrema direita, que respondem por mais de 40% dos casos. Entre as ocorrências mais comuns estão agressão física (20,83%) e assédio judicial (15,97%) – prática de usar ações judiciais como instrumento de perseguição.

Brasília (DF) II - O assessor do Secretário Nacional de Justiça, advogado Victor Semple, da secretaria-executiva do Observatório da Violência contra Jornalistas e Comunicadores Sociais, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), apresentou em 20 de maio, na Câmara dos Deputados, os avanços na estruturação do órgão colegiado. Segundo ele, o órgão organizou o canal de denúncia no Fala.BR e designou os membros do conselho consultivo, com composição paritária entre representantes do governo e da sociedade civil. Criado em 2023, no contexto da defesa do Estado Democrático de Direito, após as manifestações de 8 de janeiro daquele ano, o Observatório atua de forma permanente no monitoramento, na prevenção e no enfrentamento do problema. A estrutura do colegiado inclui grupos de trabalho temáticos voltados aos eixos de ataques digitais, assédio judicial e proteção e prevenção, além da articulação com órgãos como a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU).

São Paulo (SP) I - Jornalistas de diversos veículos foram impedidos pela Polícia Militar (PMSP) de exercer seu trabalho na Favela do Moinho, na região central da capital, em 14 de maio. Mesmo com autorização expressa de uma moradora, um repórter da Ponte Jornalismo foi impedido de entrar na comunidade. Um repórter do jornal Brasil de Fato também foi abordado e intimidado pela PM durante a tentativa de realizar a cobertura — há inclusive vídeo registrando a ação. Na Favela do Moinho, estão sendo retirados e reprimidos moradores com o uso de cassetetes, gás, armas pesadas e censura. A imprensa buscava fazer a cobertura da ação policial. O sindicato estadual da categoria (SJSP) e a Fenaj exigiram do governo estadual e da Secretaria de Segurança Pública explicações imediatas e a garantia de acesso irrestrito da imprensa às áreas de interesse público.

Santo Antonio do Descoberto (GO) - O jornalista Ronaldo Chaves dos Santos, proprietário do portal 14 de Maio, foi agredido com socos no rosto e um golpe de mata-leão, em 13 de maio, em frente à Câmara Municipal por José Sobreiro de Oliveira Filho, então diretor audiovisual da prefeitura, após publicar uma denúncia sobre o gasto de R$ 1,5 milhão pela prefeitura em shows para o aniversário da cidade. O episódio de violência aconteceu um mês após o deputado estadual André do Premium, marido da prefeita Jéssica do Premium, ameaçar Ronaldo por reportagens que expunham problemas na gestão municipal. O funcionário foi exonerado do cargo no mesmo dia, segundo nota divulgada pela prefeitura e Santos registrou boletim de ocorrência na Polícia Civil.

São Paulo (SP) II – A jornalista Marina Semensato, do portal IG, sofre ataques em diversos perfis que estão viralizando e monetizando no TikTok com um conteúdo enganoso e ofensivo contra a repórter. Ela publicou no portal uma notícia sobre um crime ocorrido no Haiti e ela, que não tem nenhum envolvimento com o fato, está sendo relacionada com o caso, por meio de vídeos que acumulam milhões de visualizações na plataforma. E, mesmo com denúncias e comentários deixados nessas publicações, o material não foi retirado do ar e novos conteúdos estão sendo publicados sobre o caso. A repórter postou um vídeo em suas redes sociais relatando o ocorrido e, diante da grave situação, teme pelos impactos negativos que a falsa associação pode ter em sua vida pessoal e profissional. O caso, embora distante, trata de uma mulher que vendeu pasteis envenenados para 40 homens que seriam de uma organização criminosa no Haiti. A Abraji solicitou ao TikTok que retire do ar os conteúdos enganosos e atenda às denúncias apresentadas.

Brasília (DF) II - A jornalista Vera Magalhães, apresentadora do programa Roda Viva, da TV Cultura, e comentarista da rede CBN, deve ser indenizada pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF). A decisão judicial ocorre após Damares, ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no governo Jair Bolsonaro, acusar publicamente a jornalista de ter rido de um estupro sofrido por ela na infância. A declaração foi feita por Damares em entrevista à rádio BandNews em 2022, quando afirmou: “A Vera é uma vergonha. Você sabe o que ela fez comigo? Ela riu do meu estupro de criança, aos seis anos de idade”. A fala fazia referência a um comentário feito por Vera em 2018, sobre um vídeo em que a então ministra relatava ter visto Jesus Cristo em um pé de goiaba — episódio que, segundo Damares, estaria relacionado a um abuso sexual sofrido na infância.

São Paulo (SP) III - O jornalista Mauro Cezar Pereira, da rede Jovem Pan, se livrou de processo por calúnia, injúria e difamação, movido pelo técnico de futebol Abel Ferreira, do Palmeiras. A justiça arquivou a queixa-crime apresentada pelo técnico em razão de críticas de Mauro Cezar após coletiva de imprensa. O treinador havia comentado que jogadores brasileiros precisavam evoluir “a nível de educação, a nível de formação enquanto homens”, e que “às vezes, não têm noção do que estão a fazer”. Em resposta, o jornalista disse que o discurso do técnico português representava uma “visão de colonizador”. “Então europeu não bebe, não faz bobagem, é todo mundo disciplinado. Eu não gosto quando os portugueses vêm para cá com esse papo furado. Abel fala em tom professoral, como se estivesse ensinando para nós brasileiros como a gente deve se comportar. Não é assim”, disse Mauro. Na ação criminal, o técnico alegou que os comentários tinham conotação xenofóbica e pediu a responsabilização do jornalista. A Justiça entendeu que não houve crime nas falas de Mauro Cezar e rejeitou o pedido. 

Brasília (DF) III – O Observatório da Mineração, fundado em 2015 pelo jornalista Maurício Angelo, foi notificado extrajudicialmente pela mineradora Sigma Lithium, sediada no Canadá, após um pedido de posicionamento da equipe de jornalismo sobre uma nota técnica produzida por pesquisadores de universidades brasileiras e da Inglaterra. A notificação enviada pelos advogados da mineradora pedia que a matéria intitulada “Pesquisadores pedem paralisação da extração de lítio da Sigma no Vale do Jequitinhonha” publicada em 7 de maio, não fosse ao ar. Entidades de classe repudiaram a censura ao trabalho jornalístico do observatório.

PELO MUNDO

Israel – O jornalista Hassan Majdi Abu Warda e familiares morreram ao ter sua casa atingida num dos ataques aéreos israelenses ocorridos em 25 de março na Faixa de Gaza. Ao menos 30 palestinos foram vitimados na ocasião, em Khan Younis no sul, Jabalia no norte, e Nuseirat no centro da região. A morte de Abu Warda elevou para 220 o número de jornalistas palestinos mortos em Gaza desde 7 de outubro de 2023.

México I - Avisack Douglas Coronado, jornalista e fotógrafa, foi assassinada em 20 de maio de 2025 durante um ataque armado ao comitê de campanha de Xóchitl Rodríguez, candidato do Movimiento Ciudadano a prefeito de Juan Rodríguez Clara. O ataque, que também deixou duas pessoas feridas, ocorreu em meio à crescente violência política no estado. Embora o candidato não tenha se ferido, Douglas ficou gravemente ferida após levar um tiro nas costas. Tendo sido socorrida, não resistiu ao chegar ao Hospital Regional Oluta-Acayucan, onde sofreu três paradas respiratórias.

México II - José Carlos González Herrera, que administrava a página do Facebook “El Guerrero Opinión Ciudadana”, que publicava notícias, sátiras e denúncias cidadãs, com 142 mil seguidores, foi baleado no porto de Acapulco, em 15 de maio. González, conhecido como El Fénix, morreu, atingido por vários disparos.

México III - Adela Navarro, diretora-geral do semanário Zeta Tijuana, da Baixa Califórnia, recebeu pelo menos oito ameaças telefônicas entre 29 de abril e 16 de maio, nas quais uma voz dizia: “Diga a Adela Navarro para se cuidar” e depois desligando. O semanário faz cobertura de política e narcotráfico. De acordo com a ONG Artigo 19, Navarro começou a receber ameaças após a publicação de informações sobre um “acobertamento de informações” pelo Gabinete do Procurador-Geral do estado relacionadas à “narcosfera”. Além disso, essa intimidação aumentou depois de a revista semanal ter revelado supostos vínculos entre o governo local e o crime organizado, além da polêmica em torno da revogação dos vistos da governadora Marina del Pilar e seu marido, uma questão que a governadora disse ser um assunto consular e descartou qualquer investigação contra ela.

El Salvador - A Lei de Agentes Estrangeiros foi aprovada em 20 de maio pela Assembleia Legislativa, aumentando a repressão do governo às vozes dissidentes. O texto permite determinar quais organizações humanitárias ou veículos de comunicação independentes podem ou não operar no país. A lei também estipula que aqueles autorizados a trabalhar devem fazer um registro nacional e pagar 30% de sua renda ao governo. A aprovação da lei ocorre em meio à intensa repressão que o governo Bukele implementa em seus seis anos de governo. Nas últimas três semanas, pelo menos 15 pessoas, incluindo empresários, líderes comunitários e ativistas, foram detidas por motivos políticos e sem direito à defesa. A mais recente foi Ruth López, uma proeminente advogada de direitos humanos e membro da ONG Cristosal.

Azerbaijão – A ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) denuncia que há 25 jornalistas presos no país pelo regime do presidente Ilham Aliyev, que aumentou a repressão contra a mídia desde o outono de 2023. Acusados​​ principalmente de “contrabando de moeda estrangeira”  – ou seja, recebimento de subsídios de organizações estrangeiras – muitos jornalistas estão definhando na prisão por causa de seu trabalho ou de sua luta por informação gratuita.

Bolívia - Uma jornalista e um cinegrafista do portal de notícias Urgente.bo foram obrigados em 23 de maio a apagar imagens por comerciantes que atuam na cidade de Desaguadero, na fronteira com o Peru, sob ameaça de serem jogados em um rio. Ao registrarem uma operação, eles foram interceptados por pelo menos 12 pessoas, a maioria homens com sotaque peruano, que ao perceberem que estavam sendo filmados e fotografados exigiram que as imagens captadas fossem apagadas.

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A Associação Riograndense de Imprensa (www.ari.org.br) disponibiliza o correio eletrônico imprensalivre@ari.org.br aos profissionais e estudantes da comunicação social para as denúncias envolvendo atentados ao livre exercício da profissão de jornalista.

Fontes: ARI (www.ari.org.br), ABI (www.abi.org.br), Fenaj (www.fenaj.org.br), ANJ (www.anj.org.br), Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br), Abert (www.abert.org.br), Abraji (www.abraji.org.br), Portal Imprensa (www.portalimprensa.com.br), Rede em Defesa da Liberdade de Imprensa (www.liberdadedeimprensa.org.br), Portal Coletiva (www.coletiva.net), Portal dos Jornalistas (https://www.portaldosjornalistas.com.br/), Jornalistas & Cia (https://www.jornalistasecia.com.br/),  https://mediatalks.uol.com.br, Consultor Jurídico (https://www.conjur.com.br/areas/imprensa), Sociedade Interamericana de Imprensa (Miami), Federação Internacional de Jornalistas (www.ifj.org) (Bruxelas), Sindicato dos Jornalistas de Portugal (www.jornalistas.eu)(Lisboa), ONG Repórteres Sem Fronteiras (www.rsf.org) (Paris), Portal Comunique-se (portal.comunique-se.com.br), Comitê de Proteção aos Jornalistas (Nova Iorque), Centro Knight para o Jornalismo nas Américas (knightcenter.utexas.edu), ONG Campanha Emblema de Imprensa (PEC), FreedomHouse (www.freedomhouse.org), Associação Mundial de Jornais (www.wan-ifra.org), Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) (http://www.oas.org/pt/cidh/), Fórum Mundial dos Editores, https://forbiddenstories.org/, https://www.mfrr.eu/, https://www.onefreepresscoalition.com/press e outras instituições e entidades de defesa do livre exercício da profissão de jornalista.

Pesquisa e edição: Vilson Antonio Romero (RS)

vilsonromero@yahoo.com.br


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